Por Rudson Mazzorana
Prendam-me num tronco e cantem a valsa da chibata em minhas costas
Pendurem-me numa cruz, preguem meus pulsos e digam que fui ateu
Contem mentiras, "roubatizem" o sistema, masturbem o que resta de meu País
Joguem-me na lama, estuporem o meu cérebro e estuprem o meu coração
Confisquem meus sentimentos, descartem meus sonhos, louvem o diabo
Vivifiquem-se das trevas, não escovem os dentes, esqueçam das nossas crianças
Glorifiquem a vida num carro importado mesmo sabendo que lá fora morre um milhão
Encham a minha taça com sangue que lhes pagarei com o beijo da morte
Arranquem as minhas pernas para que eu não possa pegá-los na esquina
Matem-me até em sonho, do contrário, voltarei em pesadelo
Digam que sou protestante,celebrem a vergonha dos novos tempos, e esqueçam de Deus
Mortifiquem a sobra das minhas forças e rezem para que eu não ressuscite no terceiro dia
Esgotem a carga da minha caneta e façam um tango com as minhas cordas vocais
Bebam a minha inteligência e se limpem com o resto de carteira que tenho
Adubem este solo e me visitem na prisão
Escravizem o meu povo e protejam-se cheirando à religião
Vomitem em minha sala e desmoralizem os meus princípios
Sequestrem os meus ideais e vendam a minha moral
Suguem o meu cérebro e me convidem para o veneno das cinco
Forjem a nossa História, embaralhem os meus pensamentos, comam mais do que aguentam e defequem no jardim
Avermelhem o nariz do povo, arrotem na sacristia, efetuem a soma e esqueçam a divisão
Rasguem esta carta, a enfiem no lugar que quiserem e façam de mim o que bem entenderem
Só não permitirei que emudeçam a voz da minha barriga que de fome grita
Só não permitirei que envenenem o meu copo que de sede chora
Só não permitirei que destruam a minha alma que de sonho um pouco vive
E se caso me enterrarem, tenham a certeza de que estarei realmente morto (...)
Do contrário, claustrofobiarei no tempo e contarei a todas as larvas sobre as tantas mil que um dia vi.